Literaturas africanas: um livro para cada país africano de língua portuguesa
Literaturas africanas de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe para você conhecer mais sobre os países africanos de língua portuguesa.

Falar, escrever e criar conteúdo literário sobre literaturas africanas de língua portuguesa tem sido uma tarefa muito divertida e de muito aprendizado. Quando realizei a disciplina Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, durante a graduação, senti um grande aprecio por essas literaturas e, hoje, vejo que me encontrei e não me imagino pesquisando outras literaturas. Acredito que todas as pessoas têm um lugar no mundo e o meu, definitivamente, é falando para as pessoas sobre literaturas africanas de língua portuguesa.
Esse caminho de descoberta de novas literaturas africanas tem sido uma forma de entender, não apenas as realidades históricas, mas também as resistências e as narrativas de identidades que permeiam nessas literaturas. Eu me sinto privilegiado e honrado em poder compartilhar um pouco dessas literaturas com vocês, e espero que as indicações possam despertar em cada um uma vontade de se aprofundar mais nesse vasto e multifacetado universo literário.
Não esperava que fosse uma tarefa tão difícil escolher um livro para cada país africano de língua portuguesa. Embora eu ainda não tenha muitas obras, tive muita dificuldade para separar os títulos para este post. A escolha foi feita por gosto pessoal e por acreditar que são leituras essenciais para quem quer iniciar com as literaturas africanas. Entre a poesia e a prosa, eu espero, do fundo do meu coração, que vocês gostem das indicações.
Angola
Começando por Angola, e a gente já entra em uma questão complicada, porque a ideia é indicar um livro para cada país, mas eu não consigo escolher entre o Bom dia, camaradas, do Ondjaki, que é um livro que eu amo de paixão e o Ondula, savana branca, do Ruy Duarte de Carvalho, que também amo muito e tenho um apego emocional, por ser o objeto de pesquisa da minha Iniciação Científica.
Bom dia, camaradas, de Ondjaki e Ondula, savana branca, de Ruy Duarte de Carvalho

Publicado pela Companhia das Letras, Bom dia, camaradas é um romance que se passa por volta da década de 1980, no pós-independência, em meio a Guerra Civil. O romance é narrado sob a perspectiva de um garoto e mostra bem uma visão da infância em Luanda, em meio aos conflitos vivenciados pelo país. Durante a narrativa, Angola vive em Guerra Civil, entre os grupos MPLA e Unita, que lutam para controlar o país após a saída dos portugueses.
As vivências mostradas pelo “camarada” narrador retratam os conflitos políticos existentes naquele período e sua visão sobre a colonização. Das vezes que li e trabalhei com o romance, me atentei para alguns personagens com visões muito diferentes sobre a colonização e o período pós-colonial, como o próprio narrador, que nasceu em meio à Guerra Civil; o camarada António, que presenciou a colonização e a Tia Dada, que mora em outro país e decide ir a Luanda visitar os parentes.
Ondula, savana branca, publicado pelo Círculo de poemas, é um livro de poesia que apresenta o fazer poético do Ruy Duarte de Carvalho. O livro é divido em 3 seções: versões, derivações e reconversões -resultado de várias recolhas de tradições orais africanas com as quais o autor realizou o seu fazer poético -. Carvalho recolheu e traduziu poeticamente muitas tradições africanas, durante as suas recolhas como antropólogo. As fontes de seu trabalho podem ser consultadas em “Fontes, notas e referências de Ondula, savana branca” ao final do livro.
A edição chegou ao Brasil em um volume que reúne o livro Ondula, savana branca (1982) e Observação directa (2000). Na nota à edição, tem-se informando que os livros foram compilados da poesia reunida do autor, Lavra, Poesia reunida (1970-2000).

Cabo Verde
Seguindo para Cabo Verde, eu não poderia deixar de trazer o livro Amanhã Amadrugada, da Vera Duarte, publicado pela Editora Nandyala. É um livro que eu tenho um grande carinho, porque participei do processo editorial, como revisor.
Amanhã Amadrugada, de Vera Duarte

O livro Amanhã Amadrugada chegou ao Brasil em uma edição especial e comemorativa dos 30 anos desde a sua publicação, em 1993. Publicado pela Editora Nandyala, a obra poética de Vera Duarte é dividida em 4 partes ou, melhor dizendo, em 4 cadernos, em que pode-se observar a delicadeza e profundidade na poesia da autora ao trazer temáticas tão sensíveis e referências ao arquipélago cabo-verdiano, reafirmando a sua relevância e importância para o cenário literário de Cabo Verde. É um livro de poesia, mas a poeta1 joga com as palavras e traz à cena a prosa
Os poemas do livro são datados de 1975 a 1985, mas em ordem decrescente, e conta com um posfácio da Professora Simone Caputo Gomes, da Universidade de São Paulo (USP), que discorre acerca de seu primeiro contato com a Vera Duarte e sobre a poesia da autora, dando um panorama crítico e histórico sobre a obra em questão.
Guiné-Bissau
Agora, na Guiné-Bissau, eu separei A Última Tragédia, do Abdulai Sila, publicado pela Editora Pallas. Antes de falar sobre o romance, gostaria de destacar a minha admiração pelo Abdulai Sila e pelo excelente trabalho que o autor desempenha. O autor é um dos fundadores da primeira editora guineense, a Ku Si Mon, criada em Bissau, em 1994.
A última tragédia, de Abdulai Sila

Publicado no Brasil pela Editora Pallas, A Última Tragédia é um romance do guineense Abdulai Sila que aborda as complexidades da colonização.
O romance é dividido em três histórias que se interligam: 1. a história da Ndani, uma menina considerada amaldiçoada por um feiticeiro de sua aldeia, afirmando que a jovem sempre trará infelicidade e causará o mal ao seu redor; 2. a do Régulo, líder de uma aldeia no interior do país que é indagado sobre o pagamento de impostos; e a 3. a de um Professor, que tem um papel essencial na narrativa. Como o próprio título já sugere, a obra é repleta de tragédias que mostram as durezas do período colonial na Guiné-Bissau.
Como são 3 histórias que se interligam, nessa terceira parte da narrativa, Ndani encontra-se em apaixonada pelo professor e vivendo um momento feliz com sua família, tanto que em determinado momento questiona se, de fato, tinha um espírito mau em seu corpo.
Moçambique
Indo para Moçambique, eu separei o livro Sangue Negro, da Noémia de Sousa, o único livro da autora, conhecida como a “mãe dos poetas moçambicanos”.
Sangue negro, de Noémia de Sousa

A obra reúne 46 poemas, datados entre 1948 e 1951, publicados em periódicos africanos, como “Brado africano” e o “Itinerário”. Em 2001, os poemas foram reunidos pela Associação dos Escritores Moçambicanos, momento em que surge a primeira edição de Sangue Negro. Mais tarde, em 2016, Sangue Negro chegou ao Brasil, publicado pela Editora Kapulana.
O livro Sangue Negro é dividido em 6 seções, quais sejam: “Nossa voz”, “Biografia”, “Munhuana 1951”, “Livro de João”, “Sangue negro”, que dá nome ao livro, e, por último, “Dispersos”.
Os poemas de Noémia falam sobre luta, resistência, liberdade e denunciam o colonialismo português, não só em Moçambique, mas em todo o continente africano. Na escrita da autora, é muito presente um “nós” que representa coletividade na voz da moçambicana contra o colonialismo português.
São Tomé e Príncipe
Encerrando as indicações com São Tomé e Príncipe, eu trouxe o livro A dolorosa raiz do micondó, da Conceição Lima. Confesso que eu preciso reler o livro, porque a última vez que li foi durante a disciplina de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa. Depois, eu li o outro livro de poesia da autora O país de Akendenguê. São duas obras fantásticas que valem a pena a leitura.
A dolorosa raiz do Micondó, de Conceição Lima

A dolorosa raiz do micondó, da Conceição Lima, publicado, no Brasil, pela Geração Editorial, conta com 27 poemas que abordam sobre ancestralidade, resistência e, até mesmo, memórias e vivências do eu-lírico. A autora faz referências as raízes não só das árvores, mas suas próprias raízes enquanto família, pensando a ancestralidade. Na foto, tem-se duas edições diferentes: a da direita, publicada pela Geração Editorial e a da esquerda, de São Tomé e Príncipe. Na ficha da edição são-tomense tem-se que só foram impressos 300 exemplares.
Literaturas Africanas
Este texto (ou lista) – depende te como você quer chamar – foi uma tentativa de indicar e mostrar o vasto universo literário que englobam as literaturas africanas de língua portuguesa. Tenho me dedicado bastante para conhecer outros gêneros, outros autores e literaturas para escrever e produzir mais conteúdos. Nas indicações, trouxe obras que foram escritas no contexto colonial e no pós-colonial. Este texto foi uma tentativa de apresentar as diferentes perspectivas de textos, em diferentes momentos e as singularidades de cada país.
Obrigado por ter lido até aqui.
Notas
- Na orelha do livro Amanhã Amadrugada, publicado pela Nandyala, aparece “poeta”. No posfácio da Profa. Simone Caputo Gomes, ela menciona que “poeta” é como a Vera Duarte gosta de ser denominada e não “poetisa”. ↩︎